domingo, 30 de março de 2008

Bacia Hidrográfica do São Francisco: Urbanização, Poluição e Saneamento Ambiental

Maurício Novaes Souza (*)
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A humanidade enfrenta problemas de degradação ambiental que remontam no tempo.
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O meio ambiente, que sempre desempenhou sua função depuradora com eficiência, encontra-se hoje excessivamente sobrecarregado pelas atividades antrópicas: sofre o risco de exaustão dos seus recursos, não conseguindo em determinadas situações, recuperar-se por si só. Porém, considerando os modelos de produção e desenvolvimento que priorizam a maximização econômica em detrimento à conservação ambiental, a busca de melhores soluções que as atuais parecem estar distantes de ser encontrada.
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Relacionado aos ecossistemas aquáticos, particularmente a partir da década de 1960, a água vem se tornando um fator cada vez mais crítico para o desenvolvimento econômico e social de longo prazo, bem como para a sustentabilidade ambiental.
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Os indicadores demonstram que o Brasil é a maior potência hídrica do mundo; entretanto, a escassez de água nos anos recentes, associada aos lamentáveis episódios de contaminação de rios, lagos e acumulações subterrâneas, além dos conflitos entre usuários competidores, conduziu à formulação, em bases inteiramente novas, da política para o setor de recursos hídricos.
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Nos dias atuais, percebe-se que o crescimento urbano e industrial, tão propalado, nem sempre significa desenvolvimento humano: particularmente nos países em industrialização, vem acompanhado de desigualdade de acesso aos itens básicos necessários a uma sobrevivência digna, tais como à educação, à alimentação e à saúde.
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O acesso da população à saúde passa, incondicionalmente, pelo binômio abastecimento de água/saneamento básico.
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Contudo, o que se tem verificado, é a ausência do planejamento territorial das áreas a serem ocupadas. Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, a taxa de crescimento anual da população urbana chega aos 3,5%, vindo acompanhada de realidades preocupantes.
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Uma delas é a formação de cinturões de pobreza, como na região da Bacia do rio das Velhas, importante e maior afluente do rio São Francisco, dado à carência de serviços de infra-estrutura e de moradia adequada a um nível mínimo de condições de vida.
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Dessa forma, a falta do saneamento nas cidades, em níveis mínimos que assegurem o bem-estar das populações, tem gerado um quadro de degradação do meio ambiente urbano sem precedentes, sendo os recursos hídricos um dos primeiros elementos integrantes da base de recursos naturais a sofrer tais efeitos.
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Por esta razão, não há curso d’água ou lago que esteja próximo ou que passe por alguma cidade que não esteja poluído, sendo o grau de poluição diretamente proporcional à população e ao nível de atividade produtiva da cidade.
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Entre os impactos ambientais da urbanização se destacam quatro que afetam diretamente a quantidade e a qualidade dos recursos hídricos:
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a) as derivações de água, quando ainda não deterioradas, e a devolução via o esgotamento sanitário sem tratamento do efluente final;
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b) as impermeabilizações da superfície natural;
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c) a disposição inadequada do “lixo”; e
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d) os alargamentos e os desvios do leito dos rios, alterando o regime hidrológico e desprotegendo as vegetações ciliares das margens contra o risco de inundações.
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Tais impactos exercem uma demanda importante sobre quatro serviços básicos:
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a) o abastecimento de água;
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b) o esgotamento sanitário;
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c) a disposição final do “lixo”; e
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d) a drenagem urbana.
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Os objetivos a alcançar seria a eficiência nos quatro serviços, além do uso eficiente e racional da água e de evitar-se quaisquer formas de degradação dos mananciais. Isso porque é por intermédio de veiculação hídrica que se propagam doenças, tais como a gastrenterite, o cólera, a leishmaniose, a malária e a esquistossomose, as moléstias diarréicas, e ainda, sob certas circunstâncias, a hepatite e a salmonelose, responsáveis pela morbidade e mortalidade de um grande número de pessoas, principalmente crianças.
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Na verdade, rios, lagos e mares são o destino final dos esgotos.
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Com o crescimento da população e da atividade industrial, a qualidade dos ecossistemas aquáticos vem em muitos casos se deteriorando progressivamente. Nas diversas bacias do estado de Minas Gerais, são comuns grandes áreas com desmatamento e queimadas desde as nascentes, que provocam o assoreamento dos rios, além do desvio de água cada vez maior para projetos de irrigação, em sua maioria sem planejamento e manejo.
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No caso da bacia do rio São Francisco, a cada ano tem diminuído perigosamente o seu volume de água e a navegação já não se faz em determinados trechos e em determinadas épocas do ano, como em janeiro deste ano de 2008.
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No tocante à retirada predatória das matas ciliares do rio, influi diretamente nas cheias ocasionais.
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Sem a vegetação, com o solo descoberto, a água chega velozmente à calha do rio, acumulando-se e aumentando o pique de cheia e a conseqüente redução na recarga dos aqüíferos.
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No Estado de Minas Gerais, a bacia do rio São Francisco cobre 504 cidades e, praticamente, nenhuma delas possui saneamento básico.
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Todo o esgoto doméstico e industrial in natura é lançado diretamente ao rio, além dos dejetos industriais e agroindustriais.
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Assim, o estado de degradação em que o rio se encontra representa a real situação de como o país vem efetivamente administrando seus recursos naturais.
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Tal bacia, de extrema importância para a economia nacional, possui uma demanda total de água de 224 m3s-1, sendo o principal consumidor a irrigação, responsável por 71,4% dessa demanda.
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Devido à grande expansão da agricultura irrigada, como na bacia do rio Paracatu, sérios conflitos têm surgido.
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Nas bacias dos rios Paraopeba e das Velhas, conforme as conclusões do Diagnóstico do fluxo de sedimentos em suspensão na bacia do rio São Francisco (ANEEL/ANA, 2006), são os que apresentam maior concentração média de sedimentos em suspensão.
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Esta questão é extremamente complexa, posto que a análise das informações apresentadas nesse diagnóstico indica que as ações de racionalização do uso da água no setor industrial devem ser priorizadas na bacia do rio das Velhas, por representar mais de 50% do uso da água industrial de toda a bacia.
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No município de Nova Lima, as indústrias siderúrgicas e de mineração são responsáveis, também, por poluição atmosférica.
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Cabe considerar que tais resíduos acabam tendo como depósito final o solo e a água.
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O Plano do rio das Velhas, recentemente estabelecido e ainda em fase de adaptações, possui uma característica adicional relevante, que é a de compreender metas progressivas de melhoria dos serviços de saneamento ambiental, especialmente, a melhoria dos níveis de atendimento por rede coletora e a consolidação das estações de tratamento de esgotos.
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Estabeleceu-se como o objetivo final priorizar a revitalização hidroambiental da bacia em suas características bem próximas às originais e a reaproximação do homem que a habita, melhorando significativamente a qualidade de vida de todos.
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Fica uma pergunta: tem-se o que comemorar neste dia 22 de março de 2008 - Dia Mundial da Água?
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Penso que ainda seja cedo para comemorações, apesar das inúmeras iniciativas governamentais e organizacionais. Por exemplo, ainda recentemente ocorreu mortandade de peixes no Rio das Velhas, identificada na altura do município de Jequitibá.
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Mobilizadores, como “Os Amigos do Rio”, que fazem parte do Monitoramento Ambiental Participativo (MAP) desenvolvido pelo Projeto Manuelzão, em parceria com a Fundação Estadual de Meio Ambiente (FEAM) e a Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG), vêm contribuindo para a mitigação de tais circunstâncias, investindo em projetos de educação ambiental.
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Há de se considerar a primeira etapa do Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH), já concluído, que vem sendo apresentado à população por meio de reuniões em todo o estado de Minas Gerais.
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O PERH é um projeto que visa estabelecer diretrizes para o planejamento e controle do uso da água em Minas Gerais.
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Até o momento, foi feito um levantamento de toda a história da gestão de recursos hídricos do estado. Na divulgação da real situação das águas, a ser feita pelo IGAM, acontecerá também o lançamento da segunda fase do plano, prevista para começar ainda nesse ano de 2008.
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Nessa etapa, o PERH vai tratar da quantidade e qualidade das águas no estado mineiro e, a partir daí, ações e metas deverão ser implementadas em prol de uma melhor gestão desses recursos.
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Na verdade, cada um tem sua parcela de responsabilidade na recuperação de uma bacia.
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A Agência de Bacia pode ser um dos caminhos. Cada Comitê de Bacia Hidrográfica tem representantes da sociedade civil, poder público e empresas que atuam na região. São eles que elaboram as ações para a revitalização do rio, que a Agência procura executar.
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Porém, apesar de extremamente importantes, poucos comitês em Minas possuem Agências de Bacia.
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Instrumentos de Gestão, como a outorga e a cobrança pelo uso da água, encontram-se, nesta fase da consolidação do Sistema Nacional de Recursos Hídricos, em pleno estágio de aprimoramento.
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Uma imensa série de novas idéias se tem colocado nos mais diversos foros de debate que se realizam no Brasil. Por fim, há de se considerar, que o modelo de gestão a ser adotado deverá ser estratégico: sistêmico, preditivo e adaptativo, com igual ênfase em medidas estruturais e não estruturais.
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A nova gestão das águas deverá ser aperfeiçoada com os instrumentos legais disponíveis e o conjunto de ações para proteção, recuperação e conservação de águas superficiais e subterrâneas, que incluem instrumentos legislativos e sistemas de taxação e incentivos adequados.
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Considerando as condições atuais da bacia do rio São Francisco e de seus afluentes, investir no saneamento dos municípios melhorará a qualidade de vida da população, bem como a proteção ao meio ambiente urbano, além de gerar emprego e renda para a população beneficiada.
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Contudo, a revitalização do rio São Francisco não virá apenas com obras, mas com opções e atitudes. Uma dessas será devolver à natureza os serviços ambientais em que foi substituída por processos tecnológicos.
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Combinado com políticas de saúde e habitação, investimentos em saneamento ambiental diminuirão a incidência de doenças e internações hospitalares, sendo este um dos fatores componentes do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de um país.
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Além disso, melhorando a qualidade ambiental, que é condição básica para se atingir o Desenvolvimento Sustentável, toda a bacia se tornará atrativa para investimentos externos, podendo inclusive desenvolver sua vocação turística.
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* Engenheiro Agrônomo, mestre em Recuperação de Áreas Degradadas e Gestão Ambiental e doutorando em Engenharia de Água e Solo pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). É professor do CEFET - Rio Pomba, coordenador dos cursos Técnico em Meio Ambiente e Pós-graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável. É conselheiro do COPAM e da SEMAD - Zona da Mata, MG. mauriciosnovaes@yahoo.com.br.

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